domingo, 13 de março de 2011

Amar o transitório


Carpe diem é uma expressão latina presente numa ode do poeta Horácio, da Roma Antiga, e que ficou popular no fim dos anos 80 por causa do filme "Sociedade dos poetas mortos", de Peter Weir, em que funcionava como lema do personagem interpretado por Robin Williams.

Quem viu não esquece aquele professor de literatura carismático que subverteu a caretice de uma escola conservadora, exaltando a liberdade e a poesia, e ensinando seus alunos a pensar por si mesmos. Carpe diem significa "aproveite o dia de hoje", ou seja, desconfie do amanhã, não se preocupe com o futuro, não deixe passar as oportunidades de prazer e gozo que lhe são oferecidas aqui e agora.

Neste texto, o conselho não tem nada a ver com a proximidade do carnaval. Ou pode ter, mas essa não é a intenção. Ele me foi lembrado por um amigo numa conversa em que lamentávamos algumas ameaças à saúde que atingiram pessoas queridas. Em proporções mais dramáticas, era um pouco daquilo que Ronaldo Fenômeno resumiu na sua emocionante despedida. Como as dele, eram derrotas para o corpo. Trapaças que ele apronta na forma de um tombo traiçoeiro ou do defeito de uma peça do nosso mecanismo.

Falávamos de quanto tempo se perde com bobagens que nos aborrecem além da conta, deixando passar momentos preciosos como, por exemplo, uma dessas nossas luminosas manhãs que nenhuma outra cidade consegue produzir com igual esplendor. Desprezamos por piegas as emoções singelas e vivemos à espera das ocasiões especiais, de um estado permanente de felicidade, sonhando com apoteoses e sentindo saudades do passado e até do futuro, sem curtir o presente.

Só quando surge a perspectiva da perda é que damos valor a deleites simples ao nosso alcance, como ler um bom livro, ouvir uma boa música, ver Alice sorrir, assistir a "O discurso do rei", ver o "Sarau", de Chico Pinheiro, receber o afago de leitor(a), voltar a andar no calçadão, beber uma água de coco ou admirar o pôr do sol no Arpoador. Foi depois desse papo de exaltação hedonista que meu amigo concluiu que, como o destino nem sempre avisa quando vai aprontar, urge curtir enquanto é tempo — carpe diem. O grande poeta pernambucano Carlos Pena Filho, que morreu aos 31 anos num acidente de carro, em 1960, disse mais ou menos o mesmo num dos mais belos sonetos da língua portuguesa, "A solidão e sua porta", que termina assim:

Lembra-te que afinal te resta a vida
Com tudo que é insolvente e provisório
E de que ainda tens uma saída
Entrar no acaso e amar o transitório.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final...
Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver.
Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos. Não importa o nome que damos, o que importa é deixar no passado os momentos da vida que já se acabaram.
Foi despedida do trabalho? Terminou uma relação? Deixou a casa dos pais? Partiu para viver em outro país? A amizade tão longamente cultivada desapareceu sem explicações?
Você pode passar muito tempo se perguntando por que isso aconteceu....
Pode dizer para si mesmo que não dará mais um passo enquanto não entender as razões que levaram certas coisas, que eram tão importantes e sólidas em sua vida, serem subitamente transformadas em pó. Mas tal atitude será um desgaste imenso para todos: seus pais, seus amigos, seus filhos, seus irmãos, todos estarão encerrando capítulos, virando a folha, seguindo adiante, e todos sofrerão ao ver que você está parado.
Ninguém pode estar ao mesmo tempo no presente e no passado, nem mesmo quando tentamos entender as coisas que acontecem connosco.
O que passou não voltará: não podemos ser eternamente meninos, adolescentes tardios, filhos que se sentem culpados ou rancorosos com os pais, amantes que revivem noite e dia uma ligação com quem já foi embora e não tem a menor intenção de voltar.
As coisas passam, e o melhor que fazemos é deixar que elas realmente possam ir embora...
Por isso é tão importante (por mais doloroso que seja!) destruir recordações, mudar de casa, dar muitas coisas para orfanatos, vender ou doar os livros que tem.
Tudo neste mundo visível é uma manifestação do mundo invisível, do que está acontecendo em nosso coração... e o desfazer-se de certas lembranças significa também abrir espaço para que outras tomem o seu lugar.
Deixar ir embora. Soltar. Desprender-se.
Ninguém está jogando nesta vida com cartas marcadas, portanto às vezes ganhamos, e às vezes perdemos.
Não espere que devolvam algo, não espere que reconheçam seu esforço, que descubram seu génio, que entendam seu amor. Pare de ligar sua televisão emocional e assistir sempre ao mesmo programa, que mostra como você sofreu com determinada perda: isso o estará apenas envenenando, e nada mais.
Não há nada mais perigoso que rompimentos amorosos que não são aceitos, promessas de emprego que não têm data marcada para começar, decisões que sempre são adiadas em nome do "momento ideal".
Antes de começar um capítulo novo, é preciso terminar o antigo: diga a si mesmo que o que passou, jamais voltará!
Lembre-se de que houve uma época em que podia viver sem aquilo, sem aquela pessoa - nada é insubstituível, um hábito não é uma necessidade.
Pode parecer óbvio, pode mesmo ser difícil, mas é muito importante.
 Encerrando ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade, ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida.
Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira. Deixe de ser quem era, e se transforme em quem é. Torna-te uma pessoa melhor e assegura-te de que sabes bem quem és tu próprio, antes de conheceres alguém e de esperares que ele veja quem tu és..
E lembra-te:
Tudo o que chega, chega sempre por alguma razão"
Fernando Pessoa